sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Imperativo

A abreviação de meu nome carrega uma ordem estrangeira de morte, como se eu levasse uma estranha criança encaminhada para o falecimento em meu colo, tendo que nomeá-la para faze-la viver. “Dai um nome a ela”, diriam. “Die in the life”, esconderiam. A criança envolta na tradução do corpo caído dentro do próprio corpo. O sussurro da vida se espalhando no segredo da palavra, embrião forasteiro, habitante do sentido de outros lugares. Meu espaço ermo a ser guiado pela obrigação da vida, sendo, assim, conquistado pelos novos povos, pelas nações vizinhas. Minha semântica invadida pela correnteza dos corpúsculos interpretativos do verbo. As batalhas mais árduas ardendo nas estranhas da minha garganta que profere o medo da nomeação. “Dai um tempo a ela”, pediriam. “Die in the clock”, saberiam. A escala dos segundos correndo na definição da infância em frente ao fim. O golpe das horas parando na abstração da adolescência atrás do começo. O que se dá não se mata, então que seja dado o encurtamento do convite nominal à criança... “Dai!”, ordenariam. E assim foi feito.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Publicações naturais

Em dias de festejo
Toda essa água aprumada para cair
Alaga a extensão de minha residência coletiva
Enquanto a pessoal encontra-se
Persistentemente
Árida
Validada para estar guardada
No colo das tardes abortadas e sem bolsas uterinas.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Retrato

Traslados daquelas costas
Aportadas na visível cortina dos ossos
Os desenhos do espaço arquejando uma vaidade
Antes da inclinação da mulher

Se ela teme, treme-se o córpusculo do ócio,
Do óbvio simulado na postura anti-ereta do bailado

A respiração voltada para o início
Os dedos direcionados para o apontamento
Os simulacros lacrados na cabeça

Traslados daqueles pés
Aportados na invisível linha dos músculos
Os desejos da matéria acenando uma acuidade
Depois da fala da mulher

Se ela sente, rende-se ao crime do bócio
Do dócil estado inventado na perda pós-concreta do pouco sal

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Cinzeiro

Pé de barro que seca a seco
Pisa no alto do relevo
Pede a seca do sol
Onde já há
Solos molhados de espera
Onde há aterro atado às artérias
Onde há canteiro cantado no que era
Cinzeiro da certeza à espera
Na planta do nascer do sol

Sina de quem já consumiu
Sete relógios e não dormiu
Some no vácuo junto a quem pede queimado de anzol
Contando os poros na derme já preta
Furando os tombos por cair em cercas
Furtando os homens pintados na mesa
Que sangram a sorte no punhal

Cor de cordis

Sei do vermelho o que há da cor
E no corpo distante o que há de espaço
Sei do rarefeito o que existe de ar
E no comprimido o que existe de cuidado
Sei do que falo o que tenho de primeiro
E no segundo o que tenho de pós-átimo
Sei que te sei
E se me sabes é porque em ti cabe a dose de cólera
Ou a dose de mim
Sei que te sei
E isso por agora basta
Já que esse é o gosto longínquo de saber de cor o que é amar em cor.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Virando o mundo

No ventre de um minúsculo lugar, existia Lira que, à guisa de flor daninha, acampava os telhados de sua morada. Ela, a flor danada, filha deserdada dizia ser, bicho do mato claramente era, e seus mistérios nada se pareciam com aquela habitação e seus moradores.

Ali, na velharia de uma cidade, moravam Antônios, Armélias, Artires e outras tantas artérias de famílias que viviam feito em uma circulação vagarosa de sangue, enquanto a moça de nome instrumental catava, em pemsamento, pessoas de outro mundo, até que, em uma tarde, ouviu uma voz cheia de força trovadoresca; era o primeiro desejo de menina que estava sendo realizado: um homem novo surgia. Este, o quase trovador, era um violeiro que disse ter perdido o nome desde quando resolveu perder-se no mundo; então, só por ironia, os que o conheciam na estrada, chamavam-no de Vira-mundo. E ele era um.

Lira pediu para que ele cantasse umas modinhas antigas, daquelas que só o rádio à pilha canta e, quando entoava uma canção cheia de estórias, a menina sentia-se pequena demais; era nesse momento que ela percebia a fragilidade de pertencer a um lugarejo miúdo, de gente mais miúda ainda. Para Lira, a vida parecia um mito translúcido em que não havia a necessidade de se ser inerte. Através do violeiro, ela sabia que devia sair dali.

Sustentou-se como pode naquele lugar até o dia em que o homem anunciou a sua partida. Ela não podia mais deixá-lo, pois ele era o único dono de uma voz escura, e Lira era escura, tão quanto a terra que imaginava existir em outras cidades. Foi, então, que se deu por decidida. Pediu ao homem que a esperasse por alguns minutos; pegou uma linha e um vestido meio antigo; remendou as pregas deste; vestiu-se e disse estar pronta para ir com ele.

E com o violeiro Lira danou-se a viver, escura, feito andarilha em cidades escuras.

Feitoria

Foi feito falar em nome de filho morto
Foi feito lembrar dos campos de longínquos tempos
Foi feito descoberta de segredo antigo
Foi feito rasgo em carta colada no envelope
Foi feito dente sangrando a dor da gengiva
Foi feito criança perdendo o irmão
Foi feito pedra riscando tronco
Foi feito corpo depois do quarto
Foi feito papel voando e caindo
Foi feito palavra em suspensão
Foi feito delito em véspera
Foi feito déjà vu despreendido do átimo
Foi feito despedida esquecida
Foi feio despir-se na sala
Foi feito foto com verso no verso
Foi feito risco em trecho de livro
Foi feito deitar tateando no escuro as roupas jogadas na cama
Foi feito ver uma menina perdendo os cabelos nos dedos da mãe
Foi feito fim de capítulo
Foi feito suspense em tragédia
Foi feito chegada de seca em lugar próximo
Foi feito catar flor de avó no quintal sonolento
Foi feito tosse no fundo da casa
Foi feito profecia desmaiada na Bíblia
Foi feito fio preto solto nas contas marrons
Foi feito beijo seguido de susto
Foi feito pergunta envolta por sua resposta
Foi feito casamento perdido no telefone
Foi feito cólera expulsada pelo vício
Foi feito repetição abandonada
Foi feito ver balões cheios de ar vazando
Foi feito cochichar uma farsa
Foi feito armação para cria de rato
Foi feito memória extirpada, doada
Foi feito afogamento e sorte
Foi feito encolhimento e fome
Foi feito por mim, por ti, pelo que há de ser do mistério